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Este texto foi escrito por dois membros da revista Nu, que estão no final do curso; não tarda serão arquitectos. Não é difícil adivinhar as perguntas que nos inquietam, as conversas que temos nos corredores. Como vamos ter trabalho com tantos arquitectos que há? Vai sequer haver arquitectura para fazer? Quem é que quer construir quando não há dinheiro, quando nos dizem que somos lixo? Que papel é que o arquitecto pode ter – e sabendo que as encomendas habituais rareiam – neste estado de crise? Se não emigrarmos, podemos inventar uma série de coisas para fazer não podendo construir, como já tantos fazem. Montar instalações ou escrever ou fazer doutoramentos, propor ideias em concurso ou por iniciativa própria, as chamadas “novas práticas espaciais”, heterogéneas e inventivas, de uma nova geração des-enrascada. Tudo coisas importantes, essenciais, e que sempre gravitaram à volta da actividade dos arquitectos, inclusive como revisão da própria disciplina, mas que – é inevitável pensar-se –, servindo como entreténs “enquanto a crise não passa”, e tornando-se ao fim de um tempo num conjunto enorme de pequenos testes de como a arquitectura poderia operar “se…”, e de reflexões e olhares sobre a própria arquitectura, correm o risco de se tornar discursos sobre um objecto que a certa altura não há. Se há cenários de crise em que só é possível falar de uma arquitectura sem arquitectos, por aqui, e com a nossa crise, podemos quase falar de uma classe de arquitectos sem arquitectura.

Às preocupações pessoais, de como vamos conseguir trabalhar e singrar, juntam-se perguntas sobre este sítio designado “lixo” onde, apesar de tudo, gostaríamos de poder trabalhar. Fazem-nos crer, desde que começámos a querer ser arquitectos, e nós ainda acreditamos, que a arquitectura não é egoísta, uma actividade centrada em si e nas suas próprias causas, resultados, lucros, crises. Pelo contrário, fizeram-nos ver como a arquitectura pode, por vezes, ser generosa, oferecer-se  àquelas entidades chamadas “gente”, “cidade”, “vida”. Como pode servir para servir, com ambição e sentido de modéstia nas doses adequadas. E assim acreditamos que a arquitectura pode realmente ter ferramentas e efeitos que são positivos na maneira como todos vivemos, e que não pode de forma alguma ser secundarizada quando, como agora, há aparentemente no meio do Lixo uma possibilidade de repensar formas e padrões de vida. Se a arquitectura, sempre dependente do poder económico, é chamada quando há dinheiro para grandes projectos (ou quando não há, para grandes projectos cronicamente adiados), por que não há-de ser ouvida e entrar em acção durante um regime de crise como oportunidade para repensar, reavaliar, reconstruir as nossas cidades e a forma como vivemos nelas com novos critérios?

Há várias palavras que nos podem ocorrer perante essa possibilidade – reabilitação, sustentabilidade, manutenção, recursos mínimos. Talvez outras. No entanto, a partir desta posição de estudantes em que ainda estamos, é inevitável não recear o desajuste entre esse tipo de trabalho que poderemos fazer em regime de crise e a formação que recebemos nestes anos de curso. Se sentimos isso em termos de ferramentas práticas – com a ausência de disciplinas centradas na reabilitação e de noções de durabilidade e economias materiais, por exemplo –, sentimos sobretudo num tipo de mentalidade de certa forma instalada no ensino e aprendizagem do projecto. O tipo de programas trabalhados, a envergadura das propostas, as lógicas de pensamento usadas, parecem ter mais que ver com um modelo de economia “normal”, de grandes encomendas, de uma capacidade de absorção de programas invejável e de cidades em crescente necessidade de expansão, do que com o estado de coisas actual. Ao pensar, em âmbito académico, a cidade de Coimbra, por exemplo, tomam-se como dados adquiridos algumas infra-estruturas que nunca saíram do papel, e cujos planos de concretização estão congelados por prazo indeterminável. Não só se assume que a cidade é de facto essa que se calhar nunca vai ser, como se supõe que essas infra-estruturas gerarão, consequentemente, um crescimento da mesma, novos bairros, uma grande extensão de planos de construções e equipamentos que os alunos desenham tentando propostas perfeitas para a cidade. Se, por um lado, percebemos a utilidade deste tipo de exercícios sonhadores, que permitem que um grande número de alunos exercite o trabalho a várias escalas por toda a cidade, e que há competências importantes que se aprendem nesse exercício, não deixa de saber um bocado a amargo que alunos, professores e críticos dos trabalhos vão sentindo e comentando por vezes o quão irreais são aqueles planos, como soa a ingénuo e impotente fazê-los no meio da Crise. Como se estivéssemos, em standby, a acumular planos para “quando isto entrar nos eixos”.

É certo que o exercício “ensinar a fazer arquitectura sem se construir” pode parecer absurdo se imaginado em extremo, mas lançá-lo como desafio poderia construir um esforço na escola à volta de hipóteses de intervenção e estratégias adequadas ao tempo que vivemos e à cidade real, oportunidades que o meio académico tem por excelência. Reflectir como se pode e deve pensar a arquitectura, o que é que é adequado e faz sentido agora em todos os aspectos, por vezes, parece funcionar, na escola, em dois planos – aprendemos a desenvolver espírito crítico, mas só parcialmente conseguimos canalizá-lo para o projecto, por estarmos habituados a ter como ponto de partida quase sempre a mesma forma de fazer. É essa ponte que nos falta, e que esperamos construir no tempo que agora se segue, quando tentarmos ser arquitectos com arquitectura, e daquela que não é egoísta.|


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